Armanda Duarte / Elisa Montessori | Um lugar desenhado pela passagem do corpo

Opening
5 de Fevereiro
7-9 pm

Vários desenhos, entre estes, desenhos que assumem uma forma escultórica e outros que são páginas de um livro. Desenhos que juntam imagens fotográficas e esculturas que marcam a geografia de um piso da galeria inscrevendo o movimento da mão, ou um outro tempo que um corpo vestiu. A exposição das obras de Armanda Duarte (Praia do Ribatejo, Portugal, 1961) e de Elisa Montessori (Génova, Itália, 1931) consiste num momento em que duas práticas artísticas encontram uma correspondência entre actos e construções poéticas que indiciam uma entrega do corpo e do tempo que esse corpo necessita para se materializar enquanto obra de arte. Esta ideia de um possível encontro não corresponde ao formato de uma exposição colectiva. Ao invés, é uma das muitas possibilidades, em aberto, que desvelam as obras das duas artistas num lugar que vai sendo desenhado pela sua presença e por uma certa austeridade que essas obras revelam, sem perdermos de vista a gestualidade com que cada uma contamina o espaço, agora habitado e por isso mesmo um lugar desenhado por uma pluralidade de sentidos e significações.
Na sala de entrada, um livro de artista da autoria de Elisa Montessori, intitulado “Foglie e fiori”, pode ser manuseado e percorrido como uma recolha de memórias  que contém elementos naturais, desenhos e marcas da sua feitura. Na parede em frente, uma peça da autoria de Armanda Duarte, intitulada “Desenho com modelo desconhecido”, ergue-se sobre um plano (aparentemente uma prateleira – tal como numa outra obra, intitulada “Desenho com modelo: cotovelo”) colocado numa cota mais baixa, aproximando-nos do plano do chão. Este desenho, quase uma membrana em ângulo aberto, assenta na finíssima base que é a própria folha e revela uma textura fina do carvão que acentua a curvatura da sua forma abstracta, sem modelo de referência, como o título indica, ao contrário do outro: o cotovelo. Entre o livro de artista e este desenho persiste uma coincidência ao nível da visualidade, porque o livro pode ser folheado sem a necessidade de obedecermos a uma ordem prévia, e o desenho/escultura pode ser observado como uma folha aberta, com quatro faces, alterando a sua forma consoante a posição do espectador ao percorrer a parede. Uma outra obra retoma a relação com o espaço, presente na grelha que constrói a imagem a preto e branco utilizando meios como o desenho e a fotografia, que desdobram a grelha e a serialidade replicada em cada desenho, que se transforma numa sequência de imagens.
Neste aspecto, e na segunda sala, uma das obras de  Montessori, “Rupe e Cascata”, um desenho com marcas de dobras executado a têmpera e grafite integra uma colagem de uma imagem, complexificando deste modo a paisagem representada, entre o gesto poético e o registo fotográfico. A ideia de uma representação da paisagem e da corporalidade, presente nos desenhos com marcas de dobras, como se fossem documentos escritos, dobrados no formato da mão que as transporta, encontra uma proximidade com a obra de Armanda Duarte intitulada “Juntos”. Esta peça, uma instalação composta por caixas que podem ser manuseadas de forma a que se possa observar os desenhos que contêm, representam elementos científicos da morfologia dos caracóis (gastrópodes terrestres) e algumas falhas nas folhas quadradas. A acção destes seres vivos, que habitaram uma das caixas durante um período determinado de tempo, é parte integrante do desenho, visível nos pequenos orifícios abertos. A acção da artista sobre esta obra tem por base uma pesquisa sobre esses animais que são o elo de ligação na construção desta escultura/instalação.

A prática da escultura está também presente nos desenhos intitulados “about meio caminho”. São obras que remetem para uma instalação de grandes dimensões que Armanda Duarte realizou há alguns anos num parque  natural, ao ar livre. Porventura o desenho de Elisa Montessori intitulado “Finestra pietra scritta” (numa tradução livre: Janela de pedra escrita), possa acentuar uma poética do espaço habitado pelo gesto e pela presença do corpo, como por exemplo na obra “Paninho encardido”, uma subtil escultura de pano que noutro tempo vestiu um corpo. A linguagem nos títulos das obras das artistas projecta-nos para um outro lugar, em que cada vocábulo é também uma coordenada da geografia deste desenho que somos convidados a construir, enquanto espectadores, a partir dos movimentos que as obras geram no espaço. Talvez como um processo orgânico entre o estímulo e a resposta, uma espécie de tropismo, como refere Anne Marie Sauzeau acerca da obra de Elisa.

João Silvério

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ENGLISH VERSION

Among many drawings, some take a sculptural form while others are pages of a book. Some drawings are combined with photographic images and sculptures that mark the geography of the gallery floor, inscribing the movement of the hand, or another time wore by the body. This exhibition, with the works of Armanda Duarte (Praia do Ribatejo, Portugal, 1961) and Elisa Montessori (Genoa, Italy, 1931) consists of amoment when two artistic practices find a correspondence between gesturesand poetic constructions that indicate a surrender of the body and of the time it needsto materialize itself as a work of art. This idea of a possible meeting,does not allign to the format of a collective exhibition. Instead, it corresponds to the numerous open possibilities revealed by the works of the two artists, disclosed in a place drawn by their presence, by the austerity that these worksreveal and by the gestuality with which each artist contaminates the gallery. A space now inhabited by their works that sketched it with a plurality of sensationsand meanings.

In the entrance hall, an artist book by Elisa Montessori, entitled “Fogliee fiori ”, can be handled and traversed as a collection of memories containing natural elements, drawings and marks of its making. On the opposite wall, a pieceby Armanda Duarte, entitled “Desenho com modelo desconhecido”, stands on a plane (apparently a shelf – exactly as in the work “desenho com modelo:cotovelo”, placed in a lower position close to the floor. This design, almost an angled open membrane, rests on its very thin carton base and reveals a fine texture of the coal that accentuates the curvature of its abstract shape, without a reference model,as the title indicates, while the other has one: the elbow. Between the artist book and this drawing there a concurrence in terms of visuality, because the book can be leafed without having to follow a predetermined order, and the drawing / sculpture can be seen as an open leaf, with four faces, changing its shape according to the viewer’s position in the room. Another work resumes the relationship with the space, the grid that builds the black and white image with techniques such as drawing and photography, which develop a grid and the seriality replicated in each drawing becomes a sequence of images.

In the same way, in the second room, one of Montessori’s works, “Rupe e Cascata ”, a drawing with fold marks, executed with tempera and graphite and integrating a collage of an image, thus complexifying the represented landscape by connecting the poetic gesture and the photographic record. The idea of a representation of both the landscape and the corporeality, is present in the drawings with fold marks, as if they were written documents, folded in the shape of the hand that carries them; in this way encountering a proximity to the work of Armanda Duarte entitled “Juntos”. This piece, an installation consisting of boxes that can be moved in order to observe the drawings representing scientific elements of the morphology of snails (terrestrial gastropods) and some flaws in the square leaves.The action of these living beings, who inhabited the boxes during a determined period of time, is an integral part of the design, visible in the small open holes. The action of the artist on this work is based on a research on these animals that are the connecting link in to the construction of this sculpture / installation.

The practice of sculpture is also present in the drawings entitled “sobre meio caminho”. These are works that refer to a large installation that Armanda Duarte did some years ago in a natural park. Perhaps Elisa Montessori’s drawing entitled “Finestra pietra scritta” (in a free translation: written stone window), can accentuate the poetics of the space inhabited by the gesture and the presence of the body, as in the work “Paninho encardido”, a subtle cloth sculpture that in another time dressed a body. The language in the titles of both artists’ works, projects us towards another place, where each word is also a coordinate of the geography of this drawing that we, as spectators, are invited to build from the movements that the artworks generate in space. Perhaps as an organic process between stimulus and response, a kind of tropism, as said by Anne Marie Sauzeau regarding Elisa’s work.

João Silvério