Eugénia Mussa | Release the chicken!
Opening Thursday May 16th, from 6 to 9 pm
Until June 22nd
Red seems to be an ungrateful color. Although associated with incarnation, whether sexy or theological, symbolically in fireballs that can kill us or fruits that save us from oxidation, red is a color that seems to delay the refraction of light. And yet, it originates from light. Or perhaps from blood. If I were a poet, I would say: Light is the blood of life.
Times are heating the planet, both politically and with fire. The year 2023 was the hottest year on record, with an average surface temperature of 1.45 degrees Celsius. Any poet who lands in the world and tries to portray it will find blood from political and social wars, a planet on fire.
There is a latent collapse that has been observed for years by an extraterrestrial (and extraterritorial) visiting species, which is shared with us and made observable through manual pictorial records of moments, places, beings, objects, and symbols that seem unaware of the catastrophic hecatomb that completes them. The apocalypse without being an apocalypse in the universe of Eugénia Mussa’s works is increasingly evident.
In an era of globalized artistic consensus, it is urgent to present the irritation and misunderstanding. And through the discord with what is not consensual, with what is not predominant, we find ourselves and space opens up. Once, someone asked the artist Almada Negreiros what united him with so many other artists of his generation. He replied: “Misery.”
In an era when global consciousness is landing on the green planet, the misery is that we are already in the red.
The light took too long to reach our eyes.
“Welcome.”
André e. Teodósio
“It’s just restlessness, restlessness. Why, I don’t know. Why, I don’t know. Why, I still don’t know. There is always something that is about to happen. Something I should understand…” The lyrics of José Mário Branco’s song from 1997 come to mind when I look at Eugénia Mussa’s paintings. Each canvas is like a fragment-frame that we catch in the middle, unable to grasp what came before or what will come after. Just a glimpse of a second. We always arrive too late, or too early. “I still don’t know.” I only know that what I see is precisely the part of the narrative that doesn’t allow me to understand the story, leaving me both detached and curious. Expectant, like a spectator sitting in the audience waiting for the curtain to rise. The scarlet curtain. Only here, the curtain has already risen. “Welcome.” But I wasn’t there when it opened, and now it is about to close again. I arrived late and missed the beginning that would have given me some role in this play, even if it was just sitting in row H2 with my eyes open. I won’t see its end either, because the next scene no longer exists. “There is always something that is about to happen.” But I wake up before the dream ends.
A landscape painting without a country. Landscapes from near or far? Paradise-Landscape (not) idyllic. People or characters? Without identity, on land or in water. On their way somewhere? Escaping? On horseback, swimming, in a duck-boat, in a duck-colored rubber cart—people who have arms but no eyes. Arms that swim, row, drive a chariot. People who find themselves in red forests. Like the velvet curtains of a theater. But they don’t embrace. Some arrived, others were already there. But they were not welcomed with open arms. The arms are only for fleeing faster. The raised arm, the crawl arm, the bare arm. Restlessness. Movement. The movement that stopped in that second. In the second it was painted. There is no space and time, geography or chronology. It is photography or film. Fiction or fantasy. Or reality or history. The stories are all invented but these even more so. “Why, I still don’t know.”
Filipa Lowndes Vicente
Inauguração 15 de Maio 2024
Até 22 de junho
O vermelho parece ser uma cor ingrata. Ainda que associado à encarnação, seja sexy ou teológica, simbolicamente em bólides que nos podem matar ou a frutos que nos salvam da oxidação, o vermelho é uma cor que parece atrasar a refração de luz. E no entanto, é oriundo da luz. Ou talvez do sangue. Se eu fosse poeta diria: A luz é o sangue da vida.
Os tempos aquecem o planeta, politicamente e pelo fogo. O ano de 2023 foi o ano mais quente de que há registo, com uma temperatura média próxima da superfície de 1,45 graus Celsius. Qualquer poeta que aterre no mundo e que o tente retratar encontrará sangue de guerras políticas e sociais, um planeta a arder.
Há um colapso latente que há anos tem vindo a ser observado por uma espécie visitante extraterrestre (e extraterritório) e que nos é partilhado e dado a observar através de registos pictóricos manuais de momentos, de locais, de seres, de objectos e de símbolos que parecem inscientes da hecatombe catacrética que os completa. O apocalipse sem ser apocalipse no universo das obras de Eugénia Mussa é cada vez mais evidente.
Numa era de consenso artístico globalizado, há uma apresentação irritante da irritação e do desentendimento que urge fazer. E pelo dislate com o que não é consentâneo, com o que não é preponderante, encontramo-nos, abre-se espaço. Uma vez perguntaram ao artista Almada Negreiros o que o unia a tantos outros artistas da sua geração. Ele respondeu: “A desgraça.”
Na era em que a consciência global está a aterrar no planeta verde, a desgraça é que já nos encontramos no vermelho.
A luz é que demorou a chegar aos nossos olhos.
“Welcome”.
André e. Teodósio
“É só inquietação, inquietação. Porquê, não sei. Porquê, não sei. Porquê, não sei ainda. Há sempre qualquer coisa que está para acontecer. Qualquer coisa que eu devia perceber…” Ocorre a letra da música de José Mário Branco, de 1997, quando olho para as pinturas de Eugénia Mussa. Cada tela como um fragmento-frame que apanhamos a meio e não conseguimos perceber o que veio antes e o que virá a seguir. Apenas um vislumbre de um segundo. Chegámos sempre tarde, ou cedo de mais. “Não sei ainda”. Só sei que aquilo que vejo é precisamente a parte da narrativa que não me permite compreender a história, que me deixa alheada e ao mesmo tempo curiosa. Expectante, como uma espetadora sentada na plateia à espera que abra a cortina. A cortina escarlate Só que aqui a cortina já abriu. “Welcome”. Mas eu não estava lá quando abriu e agora está prestes a fechar outra vez. Cheguei tarde e não vi aquele inicio que me daria algum papel nesta peça de teatro, mesmo que fosse somente o de estar sentada na fila H2 de olhos abertos. Também não vou ver o seu fim, porque a cena seguinte já não existe. “Há sempre qualquer coisa que está para acontecer”. Mas acordo antes do sonho acabar.
Pintura de paisagem sem país. Paisagens de perto ou de longe? Paraíso-Paisagem (não) idílica. Pessoas ou personagens? Sem identidade, em terra ou na água. A caminho de algum lugar? A fugir? A cavalo, a nadar, num barco-pato, num carrinho cor de pato de borracha – pessoas que têm braços mas não têm olhos. Braços que nadam, remam, conduzem uma quadriga. Pessoas que se encontram em florestas vermelhas. Como as cortinas de veludo do teatro. Mas não se abraçam. Uns chegaram, outros já lá estavam. Mas não os receberam de braços abertos. Os braços só servem para fugir mais depressa. O braço erguido, o braço do crawl, o braço ao léu. Inquietação. Movimento. O movimento que parou naquele segundo. No segundo em que foi pintado. Não existe espaço e tempo, geografia ou cronologia. É fotografia ou filme. Ficção ou fantasia. Ou Realidade ou história. As histórias são todas inventadas mas estas mais ainda. “Porquê, não sei ainda”.
Filipa Lowndes Vicente