MEL | Project Space in Porto
Sérgio Carronha, Dalila Gonçalves, Joana Hintze, and Laurent Montaron
From September 21st to November 9th, 2024.
Opening: September 21st, from 16:00 to 20:00.
Opening times: from Monday to Saturday, from 11:00 to 19:00.
EARLYMADE CEDOFEITA
Rua do Rosário 235, 4050-524 Porto
MEL is a collaborative initiative between LEHMANN + SILVA and MONITOR that will temporarily occupy spaces within the premises of EARLYMADE Cedofeita, the Portuguese fashion brand atelier and concept store located in the heart of Porto city.
MEL is a project where the two galleries invite emerging and established artists to display their works or develop site-specific presentations in an unconventional setting that breaks away from the traditional white cube format, encouraging innovative methods of display and viewer interaction.
For this first collective presentation, which includes works by Sérgio Carronha, Dalila Gonçalves, Joana Hintze and Laurent Montaron, each gallery has invited two artists to take over diverse spaces at EARLYMADE.
The show opens with Pontear #1, 2024 by Dalila Gonçalves, installed at the vitrine of the shop. As in many of her works, this piece is an assemblage of found, reclaimed, and repurposed objects from various locations and contexts, reflecting her interest in items whose history, marks and imperfections reveal the passage of time. Suspended from the ceiling, a variety of elements are tied together by a grey rope forming a serpentine shape: wooden reels from ancient looms from the Vale do Ave region, renowned for its textile production, a copper dish with water and an iron claw holding a glass sphere that once served as a leg of a piano stool. Each of these components suggests a fragmented narrative, as if they were different verses opening up an endless thread of possible meanings. In addition to alluding to the tradition of textiles, thus engaging with the space in which the piece is exhibited, these objects also refer to manually made creations – whether material or not – as many elements seem to be devoid of the hands that once activated them for actions such as weaving, tying, rolling, or playing. This sense of immobility is, however, countered at the edge of the sculpture, where the claw performs a mysterious, hypnotic movement that grazes the water and evokes a promise of sound that seems to remain unfulfilled.
On the opposite side of the store, Sérgio Carronha’s marble sculptures occupy the garden area. These pieces, created during the pandemic, reflect a period in the artist’s life when he sought meaning in a profoundly unsettling time. In this phase, he began being interested in Allan Kardec’s spiritualism – an experience that has significantly influenced both his life and artistic practice, resulting in a renaissance of meanings and forms. These unsettling and ghostly totemic figures, featuring eye-shaped portals and circular openings, are a formal exploration of these newly uncovered spiritual insights, incorporating archetypal symbols that reference themes of reincarnation, transformation and impermanence. The flat pieces dug into the ground, near the tomato and basil plants, instead are part of a body of work that Carronha has developed in harmony with his landscape project on his property in Montemor-o-Novo. This long-term endeavor, which he has been developing for nearly a decade, has seen him shaping a vast space with endless and uncontrollable variables. On his land, these sculptures also serve a practical function, as they mark significant points, such as solstices, water sources and planting areas. Together, these two bodies of sculptures encapsulate a spiritual and natural wisdom, grounded in a desire of the artist to comprehend both the unseen dimensions within himself and the concealed elements of his land.
Downstairs, in the black box area, we find a dialogue between the works of Joana Hintze and Laurent Montaron. Basements, just as attics, are spaces frequently associated with memories, their neglect and rediscovery, provides an ideal setting for their photographic and video works, which resonate with this atmosphere of concealment and rediscovery, as they both seek to unveil and revisit hidden memories and forgotten histories.
In Joana Hintze’s photographs we find an emphasis on familial narratives and feelings trapped in different objects. The images displayed, printed in two different formats, were all captured during a time when we were required to stay at home, prompting the artist to develop a body of work in the attic of her mother’s house in Lisbon. Through her lenses, she has explored this environment with the aim of capturing these items as they were, without moving them to stage the pictures, in an effort to preserve the authenticity of the memory, almost honoring the place where they have been left receiving dust for years. In the larger photographs Hintze aims to explore the sculptural potential of everyday objects such as travel bags, old tubes, cages, and furniture, presenting them as modest monuments from a distant past. In contrast, the photographs in smaller formats direct the attention of the viewers towards various details from certain above mentioned subjects. To create these images, the artist has employed a different approach, as the frames emerged from a second exploration of the attic, this time using digital tools. In this process, Hintze has scrutinized on her computer the images she captured, searching for new perspectives, unnoticed details, and previously overlooked characters that may have been overseen by the naked eye.
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PT
MEL
Sérgio Carronha, Dalila Gonçalves, Joana Hintze e Laurent Montaron
De 21 de setembro a 9 de novembro de 2024.
Inauguração: 21 de setembro de 2024, das 16:00 às 20:00.
Horário de abertura: de segunda a sábado, das 11:00 às 19:00.
EARLYMADE CEDOFEITA
Rua do Rosário 235, 4050-524 Porto
MEL é uma iniciativa colaborativa entre a LEHMANN + SILVA e a MONITOR para ocupar temporariamente vários espaços das instalações da EARLYMADE Cedofeita, a concept store e atelier da marca portuguesa de moda, localizada no coração da cidade do Porto.
MEL é um projeto através do qual ambas as galerias convidam artistas emergentes e consagrados a apresentar o seu trabalho ou a desenvolver projetos site-specific num ambiente não convencional, que foge ao formato tradicional do white cube, para promover modos inovadores de exposição e de interação com o público.
Nesta primeira apresentação coletiva, que conta com obras de Sérgio Carronha, Dalila Gonçalves, Joana Hintze e Laurent Montaron, cada galeria convidou dois artistas a explorar e ocupar diferentes espaços na EARLYMADE.
A exposição abre com Pontear #1, 2024, de Dalila Gonçalves, instalada na montra da loja. Como em muitos dos seus trabalhos, esta peça é uma assemblagem feita a partir de materiais encontrados e reaproveitados, provenientes de vários locais e contextos, refletindo o interesse desta artista por objetos cuja história, marcas e imperfeições revelam o passar do tempo. Suspensos do teto, vários elementos estão ligados entre si por uma corda cinzenta, formando uma serpentina: bobinas de madeira de antigos teares da região do Vale do Ave, conhecida pela sua produção têxtil, um prato de cobre com água e uma garra de ferro que segura uma esfera de vidro que serviu outrora de perna de um banco de piano. Cada um destes elementos sugere uma narrativa fragmentada, como se fossem diferentes versos que abrem um fio interminável de possíveis significados. Para além de aludirem à tradição têxtil, dialogando assim com o espaço em que a peça é exposta, estes objectos remetem também para criações feitas à mão – sejam elas materiais ou não – já que muitos elementos parecem desprovidos das mãos que outrora os ativaram para acções como tecer, atar, enrolar ou tocar. Essa sensação de imobilidade, no entanto, é contrabalançada numa das extremidades da escultura, onde a garra realiza um movimento misterioso e hipnótico que roça a água, evocando uma promessa de som que parece não se cumprir.
No lado oposto da loja, as esculturas em mármore de Sérgio Carronha ocupam a área do jardim. Estas peças, criadas durante a pandemia, refletem um período da vida do artista em que este procurou um sentido para uma época profundamente inquietante. Nesta fase, começou a interessar-se pelo espiritualismo de Allan Kardec — uma experiência que influenciou significativamente tanto a sua vida quanto a sua prática artística, resultando num renascimento de significados e formas. Estas figuras totêmicas, inquietantes e fantasmagóricas, com portais em forma de olho e aberturas circulares, são uma exploração formal destes conhecimentos espirituais recentemente descobertos, incorporando símbolos arquetípicos que fazem referência a temas de reencarnação, transformação e impermanência. Por outro lado, as peças planas enterradas no solo, perto das plantas de tomate e manjericão, fazem parte de um corpo de trabalho que Carronha desenvolveu em harmonia com seu projeto paisagístico na sua propriedade em Montemor-o-Novo. Este projeto de longa duração, que tem vindo a desenvolver há quase uma década, tem lhe permitido moldar um vasto espaço com variáveis infinitas e incontroláveis. No seu terreno, estas esculturas também desempenham uma função prática, pois marcam pontos significativos, como solstícios, fontes de água e áreas de
plantação. Juntas, estas duas coleções de esculturas encapsulam uma sabedoria espiritual e natural, fundamentada no desejo do artista de compreender tanto as dimensões invisíveis dentro de si, como os elementos ocultos da sua terra.
No andar de baixo, na área do black box, encontramos um diálogo entre as obras de Joana Hintze e Laurent Montaron, dois artistas que exploram neste espaço distintas questões relacionadas com a memória. Nas lojas, assim como nas casas, os porões e caves, tal como os sótãos, são espaços frequentemente associados à acumulação, à negligência e redescoberta, o que faz que este ambiente seja ideal para estas obras fotográficas e de vídeo, que ressoam com essa atmosfera de ocultação e redescoberta, pois ambos buscam desvendar e revisitar histórias esquecidas.
Nas fotografias de Joana Hintze é dada ênfase às narrativas familiares e aos sentimentos aprisionados em diferentes objectos. As imagens expostas, impressas em dois formatos diferentes, foram todas captadas durante um período em que éramos obrigados a ficar em casa, o que levou a artista a desenvolver um corpo de trabalho no sótão da casa da sua mãe em Lisboa. Através das suas lentes, ela explorou esse ambiente com o objetivo de captar estes objetos tal como estavam, sem os mover para encenar as fotografias, num esforço para preservar a autenticidade das memórias, quase honrando o lugar onde foram deixados a acumular pó durante anos. Nas fotografias de maior dimensão, Hintze procura explorar o potencial escultórico de objetos do quotidiano, como malas de viagem, tubos antigos, gaiolas e móveis, apresentando-os como modestos monumentos de um passado distante. Em contraste, as fotografias em formatos menores direcionam a atenção dos espectadores para vários detalhes dos objetos mencionados anteriormente. Para criar estas imagens, a artista adotou uma abordagem diferente, uma vez que as composições surgiram de uma segunda exploração do sótão, desta vez utilizando ferramentas digitais. Neste processo, Hintze examinou cuidadosamente no seu computador as imagens que captou, procurando novas perspetivas, detalhes não notados e personagens previamente negligenciadas que poderiam ter passado despercebidas a olho nu.
Os filmes de Laurent Montaron, por outro lado, direcionam a nossa atenção para memórias históricas, mas líricas, que revelam verdades e mitos do passado. Em Philosopher’s Stone, 2017, a moeda de ouro que vemos ser continuamente derretida, fundida e depois derretida novamente é um Gold Napoleon de 20 francos. A França deixou de produzir estas moedas entre 1914 e 1918; mas após a guerra, o governo precisava de ouro e começou a oferecer-se para as comprar a um preço que excedia o seu valor por peso, levando a que os indivíduos começassem a criar cópias falsificadas com ouro verdadeiro, uma vez que podiam ser vendidas por mais do que o valor do próprio material. O título do vídeo alude a uma entidade mágica na alquimia, que se acreditava ter a capacidade de transformar outros metais em ouro, ligando esse objeto sobrenatural à história do Gold Napoleon, um hack no sistema que também permitiu a possibilidade de obter ganhos potencialmente infinitos.
O filme Memory, 2016, por sua vez, está ambientado num cenário semelhante às fotografias de Joana Hintze: um sótão cheio de caixas empoeiradas e objetos esquecidos. À medida que a câmara se move pelo espaço, deparamo-nos inesperadamente com uma máquina de escrever IBM Memory. Este aparelho é frequentemente considerado um precursor do computador, pois tinha uma espécie de “memória”, uma vez que podia recordar o que tinha sido escrito e de o reescrever, se necessário — uma característica revolucionária na época. No vídeo, vemos que esta máquina de escrever “inteligente” volta subitamente à vida com os sons de um solo de bateria de jazz — que o artista sampleou, editou, rearranjou para esta peça — e começa a escrever um enigma com um ritmo frenético. Nesta obra, assim como em grande parte do seu trabalho, Montaron usa um exemplo específico da história da tecnologia para explorar como as inovações têm consistentemente promovido novas formas de observar e entender o nosso mundo, que, tal como os objetos em sótãos, podem tornar-se obsoletos e quase arcaicos. Por fim, Lick, 2018, projetado num ecrã plano, confronta-nos com uma cena onírica e altamente simbólica na qual duas partes do corpo, representando diferentes sentidos, se tocam numa interação que oscila entre o sensual e o desconcertante.
Mattia Tosti