DANIEL V. MELIM |O ANIMAL E AS ROUPAS
Opening on Friday, October 6, from 18:00 to 21:00.
Until November 25th
A good deal of what builds us is relational, we make ourselves in interactions. We are traumatized in interactions, we heal in interactions, we do unimportant, unimpactful things in interactions. In the “therapeutic” system of family constellations, a group of people agrees to perform before us the fundamental figures of our lives: father, mother, siblings, family, partners. When we look at ourselves from the outside and spatially position ourselves in front of these actors that execute elements of our consciousness, something relevant is recreated in our energy system. It is possible to say that all our relationships, moment by moment, remake our face and body. It is also possible to say that the inner voices we carry everywhere are above all a remix of these fundamental presences. A multitude of other factors comes into play in this remix, from the beach of our childhood to what we had for lunch today, but it is difficult to deny the central persistence of certain bonds.
Each human being, vertical and dressed animal, seems to have the tendency to live permanently harassed and challenged by the same type of situations. As if each of us, at each relationship, lived again the same fundamental play. Our small version of the huge cosmic plot, with everyday props, work costumes, and a soundtrack of emotions inherited from who knows which ancestors, trying to survive in who knows which circumstances. Impossible to resist the want to unravel the fundamental plot that we apparently project and attract to each situation, just as impossible it seems to fully unveil it. Despite this or because of this, to exist in this walking “persona” that we are, we depend on the structure of the hut of consciousness that we made with the materials we have had at hand since our beginning. Thus, the challenge seems to be how to replace the toxic materials that are undeniably part of the hut’s structure, while still maintaining its daily function as a living space. Here I equate consciousness, clothing and hut: actor, scenography and costumes so that we can exist here with our spine upright. Even though it also hurts a lot along the way, this play in which we all end up dead is quite fun. Who would have thought to create this game of existing? What nail attaches this human body costume, that we put on each morning when we wake up, to the wall of infinity?
Clothing is a mask, a protective and transformative layer. Clothes, as our social connections and our own body, are woven by intense threads of ancient origin. No matter how impressive the outer attire may be (mister doctor, top model, “coach” of extremely dubious performance, humble pastry lady), the primordial animal through which we exist in this world is always incessantly lurking. We are always, at each moment, creating the body of the future of the human. “The future is ancestral” (Ailton Krenak) and often, through certain apparitions in the silence at night by the sea, this becomes more evident.
It seems important to say that the images in this show are informed by my upbringing by the sea on the island of Madeira, where very high cliffs open onto an immense sea. It also seems relevant to to say that I consider myself above all a poem maker: acoustic, visual, performative and relational poems.
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Inauguração 06 de outubro das 18:00hs às 21:00hs.
Até 25 de novembro
Boa parte do que nos vai constituindo é relacional, fazemo-nos em interação. Traumatizamo-nos em interação, curamo-nos em interação, fazemos coisas banais sem grande impacto em interação. No sistema “terapêutico” das constelações familiares, um grupo de pessoas dispõe-se a performar à nossa frente as figuras fundamentais da nossa vida: pai, mãe, irmãos, familiares, companheiros. Ao nos revermos de fora e nos posicionarmos espacialmente perante esses atores que executam elementos da nossa consciência, algo de relevante se refaz no nosso sistema energético. É possível afirmar que todas as nossa relações, momento a momento, nos refazem o rosto e o corpo. É possível também afirmar que as vozes interiores que transportamos para todo o lado são sobretudo um remix dessas presenças fundamentais. Nessa remistura entra uma multiplicidade de outros fatores, desde a praia da nossa infāncia ao que almoçámos hoje, mas é difícil negar a persistência central de certos elos.
Cada ser humano, animal vertical e vestido, parece ter a tendência de viver permanentemente acossado e desafiado pelo mesmo tipo de situações. Como se cada um de nós a cada relação revivesse a mesma peça de teatro fundamental. A nossa pequena versão do grande enredo cósmico, com adereços de dia a dia, figurinos de trabalho e banda sonora de emoções que herdámos não sabemos de que antepassados a tentar sobreviver em que circunstâncias. Impossível resistir a querer desvendar o enredo fundamental que aparentemente projetamos e atraimos para cada situação, assim como impossivel parece ser o desvendá-lo totalmente. Apesar disto ou por causa disto, para existir nesta “persona” ambulante que somos, dependemos da estrutura da barraca da consciência que fizemos com os materiais que havia à mão desde que o nosso início. Assim, o desafio parece ser como substituir os material tóxicos que estam inegavelmente em parate da estrutura da barraca, mas mantendo ao mesmo tempo a função diária de ser habitáculo. Estou aqui a equivaler consciência, roupa e barraca: ator, cenografia e figurino para existirmos por aqui com a coluna na vertical. Apesar de também doer muito pelo caminho, é muito divertida esta peça de teatro em que vamos acabar todos mortos. Quem se lembraria de criar esta brincadeira de existir? Que prego segura à parede do infinito este traje de ser corpo humano que vestimos todas as manhãs ao acordar?
A roupa é máscara, camada protetora e transformativa. A roupa, tal como as nossas ligações sociais e o nosso próprio corpo, é tecida por tramas intensas de origem antiga. Por mais impactante que seja o traje exterior (senhor doutor, top model, coach de dubilíssima performance, senhora humilde da pastelaria), o animal primordial através do qual existimos neste mundo está sempre incessantemente à espreita. Estamos sempre a cada instante a urdir o corpo do futuro do humano. O futuro é ancestral (Ailton Krenak) e muitas vezes, por certas aparições no silêncio à noite à beira-mar, isso fica mais evidente.
Parece-me relavante dizer que as imagens desta exposição são informadas por ter crescido junto ao mar na ilha da Madeira, onde altíssimas falésias abrem sobre um mar imenso. Também me parece relevante dizer que me considero sobretudo um fazedor de poemas: sonoros, visuais, performativos, relacionais.