TRACING THE INFRATHIN

Inauguração 31 de Março

Até 21 de Maio

 

 

“Dificilmente se pode dar exemplos do infrathin, é algo que escapa à definição científica”.

Marcel Duchamp

 

 

Marcel Duchamp declarou, com a sua característica ironia, que o infrathin é impossível de definir e só poderia ser referido através de exemplos. Alguns deles estão presentes nas suas notas publicadas postumamente, desde o mais conhecido “o calor de um assento (que acabou de ser deixado)”, até “o som do assobio que ecoa do roçar das pernas das calças de veludo enquanto caminha” ou “as portas do metro a fechar enquanto duas pessoas entram no último momento”. Outros exemplos problematizam o tempo, o espaço e mesmo a linguagem, criando um conceito inefável mas generativo que permite nomear a presença de relações liminais, subtis e abstractas. Na ausência de uma clara delimitação do infrathin, as obras presentes na exposição podem ser percebidas como umas tentativas individuais ou colectivas de delinear o silhoutte deste conceito.

Tracing the Infrathin abre-se com Self-Portrait as a property, dos primeira desordem. Nestas obras, os artistas pediram a amigos e conhecidos que lhes emprestassem a chave de um dos lugares que possuem e criaram um conjunto de retratos em que o único traço definidor da pessoa representada é algo que lhes pertence. Estas peças reflectem sobre a representação e propriedade, apropriando-se de uma técnica de gravura comumente utilizada fora dos fins artísticos. De facto, o que parece ser uma representação inócua de três objectos, é uma réplica perigosa feita usando um método simples, mas eficaz, para duplicar chaves (pesquisa no youtube: how to make your self-portrait as a property). Se cada retrato, num certo sentido, é um acto de apropriação da imagem de outra pessoa, estes trabalhos levam esta ideia ao extremo, representando não só a propriedade de alguém, mas também a possibilidade de esta ser invadida. Dentro de uma vitrina, os hambúrgueres, espetadas, pedaços de carne de vaca e enchidos tradicionais portugueses feitos por Eduardo Freitas actuam como outro, desta vez delicioso, truque à vista. Estas obras para além de terem uma relação com a biografia do artista, têm também uma ligação directa com o local onde foram concebidas e produzidas: o antigo matadouro da cidade de Évora, que é agora utilizado como atelier de escultura. Neste lugar agora esvaziado de animais, Eduardo Freitas desenvolveu uma forma muito imaginativa de olhar para as suas matérias-primas, estudando as suas formas, cores, texturas, imperfeições e veias, de modo a criar um trabalho altamente mimético que, para além do aspecto de semelhança com o referente, carrega a força e o peso das suas interpretações graças aos materiais em que é esculpido.

Na segunda sala, o infrathin é delimitado por um corpo de obras líricas sobre domínios liminares da linguagem, do tempo e de momentos inefáveis, que se notados, permitem uma distensão temporária das regras, um alargamento de possibilidades imaginativas. Sem Título de Ana Catarina Teixeira pontua o tom contemplativo da sala: nesta escultura aparentemente minimalista, composta por três formas que lembram lápides, menires, ou estratos geológicos, esconde na realidade uma série de manifestações permanentes e outras fugazes. Desde as bolhas de ar imóveis aprisionadas no interior da escultura, que testemunham a transformação de uma multidão de grãos em um bloco de vidro único, até aos reflexos, exposições e opacidades em constante mudança que ressoam na superfície da obra. Todos estes detalhes convidam o espectador a apreciar como as propriedades do vidro e desta peça favorecem a manifestação de infinitesimais passagens de infrathin. Colocado num plinto no centro da sala, encontramos Marianne Moore’s Collected Poems, de Elisa Montessori. Este livro da artista é uma homenagem à obra e figura de Marianne Moore, uma poetisa americana cujas palavras foram frequentemente dedicadas à relação entre o comum e o incomum e à observação sensível de seres humanos, animais e arte. Estas páginas, que combinam extractos de poemas, com aguarelas e plantas fragmentadas, representam um diálogo de vida com a obra de Moore e uma tradução visual dos seus versos, lembrando-nos que também a poesia, tal como a arte, é uma das línguas do infrathin. Em frente à obra de Elisa Montessori, Silurata tra le mani de Thomas Braida retrata uma representação realista mas visionária de outro livro, um cujas páginas são o leito de um mar turbulento em que um navio de guerra está a afundar-se. O imaginário de Thomas Braida é muitas vezes desencadeado por elementos encontrados em romances de aventura, literatura de fantasia, ou contos de fadas, contudo esta obra em particular partiu da realidade: de um modelo de um barco militar encontrado numa feira da ladra, que foi logo transposto na tela filtrado através da sua visão realista mágica.

No centro da sala encontramos Delay de José Taborda, uma escultura composta por uma faca de bacalhau e um mecanismo semelhante a uma guilhotina que segura precariamente uma fotografia emoldurada. A tensão inerente à obra gera uma certa apreensão no espectador, enquanto que a imagem dentro da moldura cria uma falha entre o presente e o futuro, representando o momento fugaz após algo estável torna-se um desastre. Se Duchamp definiu o infrathin como “O mais minuto dos intervalos”, poder-se-ia dizer que Delay, consegue fatiar este intervalo e criar no seu interior um entremeio desorientador. Finalmente, numa tv apoiada no chão, deparamos em Notas sobre o limite do Mar de Maria Laet, um vídeo em que a artista brasileira é filmada a coser com uma agulha e um fio de algodão a linha quase imperceptível deixada pela espuma de uma onda à beira-mar. Através deste gesto repetitivo e quase coreográfico que tenta materializar o efémero, Maria Laet cria uma união temporária entre o seu corpo e os detalhes fugazes da paisagem, que encoraja a olhar para o que está por baixo da superfície da experiência fenomenológica. Além disso, o que este trabalho, e todos os outros presentes nesta exposição parecem lembrar-nos que, independentemente das imagens, formas e palavras que utilizamos, permanece sempre a sensação de que algo é deixado para trás, assim como perdura sempre a certeza de que mesmo que seja possível de traçar em algum momento, será inevitavelmente desmanchado pela nossa tentativa seguinte de captá-lo, lembrando-nos, enfim, que esta (im)possiblidade é o infrathin.

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ENGLISH VERSION

Opening 31st of March

Until 21st of May

 

“One can hardly give examples of the infrathin, it’s something that escapes scientific definition”

Marcel Duchamp

 

 

Marcel Duchamp stated, with his characteristic irony, that the infrathin is impossible to define and could only be referred to through examples. Some of them are present in his posthumously published notes, from the best known “the warmth of a seat (that has just been left)”, to “the whistling sound made by brushing the legs of velvet trousers while walking” or “the sliding doors of the underground when two people pass at the last moment”. Other examples problematize time, space and even language, creating an ineffable but generative concept that allows to name the presence of liminal, subtle and abstracted relations. In the absence of a clear delineation of the infrathin, the artworks present in the exhibition can be perceived as singular or collective attempts at delineating the silhouette of this concept.

Tracing the Infrathin opens with Self-Portrait as a property by primeira desordem. In these works, the artists have asked friends and acquaintances to lend them the key to one of the places that they own and created a set of portraits in which the only defining trait of the person being represented is through something they own. These pieces reflect on representation and ownership by appropriating an engraving technique commonly used outside of artistic purposes. Indeed, what seems to be an innocuous representation of three objects, is a dangerous replica made using a simple, yet effective method to duplicate keys (search on youtube: how to make your self-portrait as a property). If every portrait in a sense is an act of appropriation of someone else’s image, then these works take this idea to the extreme, representing not only someone’s private property, but also the possibility of violating it. Inside a display case, the hamburgers, skewers, pieces of beef and traditional Portuguese sausages made by Eduardo Freitas act as another, this time delicious, trick to the eye. Besides having a relation to the biography of the artist, these works also have a direct connection to the place in which they were conceived and produced: the old slaughterhouse of the city of Évora, which is now used as a sculpture studio. In this place now absent of animals, Eduardo Freitas developed an imaginative way of looking at his raw materials. He studied their shapes, colors, textures, imperfections and veins, in order to create a highly mimetic work, that besides the appearance of sameness with the referent, carries the weight of its meaning thanks to the materials in which it is sculpted.

In the room downstairs, the infrathin is delimited by a body of lyrical works about liminal domains of language, time and ineffable moments, that if noticed, allow for a temporary distension of the rules and a widening of imaginative possibilities. Ana Catarina Teixeira’s Untitled, 2018, sets the contemplative tone of the room. This seemingly minimalist sculpture, composed of three forms reminiscent of tombstones, menhirs, or geological strata, in reality conceal a number of permanent as well as fleeting visual manifestations. From the motionless bubbles of air trapped inside the sculpture, that bear witness to the transformation from a multitude of grains to a unique block of glass, to the ever-changing reflections, exposures and opacities that resonate on the surface of the sculpture. All these details invite the viewer to appreciate how the properties of glass, as composed in this piece, favor the manifestation of infinitesimal infrathin passages. Placed on a plinth at the center of the room, we find Marianne Moore’s Collected Poems by Elisa Montessori. This artist book is a homage to the work and life of Marianne Moore, an American poet whose words were often dedicated to the relationship between the common and the uncommon and to a sensitive observation of humans, animals and art. These pages, which combine extracts of poems, with watercolors and fragmented plants, represent a lifelong dialogue with the work of Moore and a visual translation of her verses, reminding us that poetry, just like art, is also one of the languages of the infrathin. Directly in front of Elisa Montessori’s artist book, Silurata tra le mani by Thomas Braida depicts a realistic yet visionary representation of another book, one whose pages are the bed of a turbulent sea on which a warship is sinking. Thomas Braida’s imagery is often influenced by elements found in adventure novels, fantasy literature, or fairy tales. This particular work however, departed from reality: from a model of a military boat found at a flea market, that was transposed onto the canvas filtered through the artist’s magical realist vision.

In the center of the room we find the sculpture Delay by José Taborda, a work that is composed by a codfish knife and a guillotine-like mechanism that precariously holds a framed picture. The tension inherent in the work generates a certain apprehension in the spectator, while the image inside the frame creates a glitch between present and future, representing the fleeting moment after something stable becomes a disaster. If Duchamp defined the infrathin as “The most minute of intervals”, it could be said that Delay, manages to slice this interval and create inside of it an in-between space. Finally, in the exhibition we encounter a monitor located on the floor of the gallery displaying Maria Laet’s Notas sobre o limite do Mar, a video in which the Brazilian artist is filmed, sewing with a needle and cotton thread, the almost imperceptible line left by the foam of a wave on the seashore. Through this repetitive and almost choreographical gesture that tries to materialize the ephemeral, Maria Laet creates a temporary union between her body and the fleeting details of the landscape, which encourages us to look at what lies beneath the surface of phenomenological experience. Besides that, what this work and in fact all the works present in the exhibition, remind us is that no matter the images, forms and words we use, the feeling that there is always something which is left behind, the certainty that even if it can be traced for a moment it will be inevitably washed away by our following attempt, this (im)possibility is the infrathin.