MAJA ESCHER AND SÉRGIO CARRONHA | SÓ PEDIMOS QUE NOS SEMEIEM NA TERRA

 

 

 

Inauguração 8 de Junho

Até 30 de Julho

Curadoria de Mattia Tosti

 

 

A Greve dos Grãos de Trigo é um conto de Henrique Févre publicado na revista anarquista portuguesa, A Sementeira, no ano de 1908. Ao longo do desenvolvimento da história o autor descreve como é que um grupo de grãos de trigo antropomórficos começam a formar uma consciência de classe, apercebendo-se do seu poder coletivo, que os conduz a uma greve contra a agricultura industrial*. Na história, a voz unida dos grãos grita: “Só queremos que nos semeiem na terra”, exigindo a abstenção do sistema alienante em que trabalham e a ser deixados a viver – e a morrer – segundo os ciclos da natureza. Esta exposição apropria-se deste lema como título e toma como premissa principal o ethos coletivo desta história, tanto quanto ao desejo das suas personagens em se encontrarem (re)ligados aos ritos de fertilidade da terra.

A metodologia de investigação e trabalho de Maja Escher e Sérgio Carronha inspira-se nos processos participativos do húmus, a camada fértil do solo, onde a matéria oxidada e decomposta é continuamente transformada através de uniões e colaborações entre diferentes organismos que se alimentam, mudam e crescem juntos, com o fim de darem origem a nova vida. A exposição evoca o poder generativo e poético deste processo químico baseado na reciclagem, aliança e contaminação recíproca, como metáfora para um diálogo entre dois amigos de longa data, dois artistas que trabalham principalmente com materiais térreos, duas práticas que partilham um terreno comum e que emergem numa ligação íntima com os seus respetivos territórios.

O primeiro trabalho que encontramos no espaço expositivo é uma peça de Maja Escher que comemora o movimento vertical de crescimento e decadência. Aqui, diferentes materiais orgânicos estão pendurados em quatro círculos concêntricos de argila que descem do teto. Durante o decorrer da exposição, o tempo, ou melhor, o oxigénio, irá inevitavelmente alterar a obra: as folhas de yuca irão secar ainda mais, as favas e ervilhas irão encolher, mudar de cor e, eventualmente, as sementes irão cair sobre o círculo de argila pintado no chão. Celebração Das Vagens, encarna o ciclo virtuoso da matéria orgânica e parece ecoar o desejo das sementes descritas por Févre de regressar ao ventre e ao túmulo da vida.

Tirando partido da topografia da galeria, o espaço inferior da exposição aspira a ser orientado precisamente pela dinâmica participativa do húmus. Neste espaço de experimentação formal, os artistas exploraram a horizontalidade da estratificação, (de)composição e participação, envolvendo-se num processo de colaboração onde participaram em viagens de campo, trocaram ideias, materiais e imagens. Em Semeador, por exemplo, Sérgio Carronha utiliza o xisto, uma rocha sedimentar formada pela lenta compressão de lama formada por minerais de argila, para criar um trabalho inspirado num desenho preparatório de Maja Escher. Esta peça parece ser pontuada de acordo com a posição dos planetas, as cargas energéticas dos átomos, ou talvez por sementes caídas.

A peça que está no centro da sala, Arco da Chuva de Maja Escher, é uma estrutura que se apresenta como um convite a deixar ir os velhos paradigmas que já não suportam todas as formas de vida, assim como uma ferramenta para ver o outro – e o seu trabalho – através de novas perspectivas. Por detrás desta peça, Serpente de Sérgio Carronha desenha um horizonte que divide a sala em dois. O trabalho foi feito utilizando diferentes painéis de xisto gravados, formando um friso que representa uma cobra, um símbolo de renascimento, transformação e força criativa. Centrada no interior de um círculo de caulino, a Roda das Cores da Maja Escher, é uma carta de cores em que o artista se envolve na tarefa interminável de tentar separar uma grande variedade de tons de paisagem vívidos visitados por ambos os artistas durante uma visita de campo. Algumas destas cores serviram de paleta para Sem Título II de Sérgio Carronha, uma peça que contrasta fortemente com as geometrias e formas exploradas nas outras pedras de xisto.

Em geral, se este corpo de obras parece germinar de um espaço de contaminação cíclica e recíproca que existe no solo, na amizade e na arte, então esta exposição poderia ser vista seja como o resultado final de uma colaboração entre dois artistas, ou como o início de um novo caminho em conjunto.

 

Mattia Tosti

 

* Diana Dionísio escreveu uma composição para o Coro da Achada, baseada nesta história e com o mesmo título, que será realizada no dia da inauguração.

 

 

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ENG

 

SÓ PEDIMOS QUE NOS SEMEIEM NA TERRA

 

Curated by Mattia Tosti

 

In A Greve dos grãos de Trigo, a short-story by Henrique Févre which appeared on A Sementeira, a Portuguese anarchist magazine from 1908, the author described how a group of anthropomorphic grains of wheat start to form class consciousness, they realize their collective power and finally go on strike against industrial agriculture*. In the story, the united voice of the grains shouts: “We just want to be sown in the soil”, it demands to resist the alienating system in which they work and be left to live – and die – following the cycles of nature. The exhibition Só Pedimos Que Nos Semeiem Na Terra borrows this motto as its title, and takes the collective ethos of this story, as well as the desire of its characters to be (re)connected to the earth’s rites of fertility as its main premise.

Maja Escher and Sérgio Carronha’s research and work methodology takes inspiration from the participatory processes the humus, the fertile layer of the soil, where oxydized and decomposed matter is continuously transformed through unions and collaborations between different organisms that feed, change and grow together in order to give birth to new life. The exhibition evokes the generative and poetic power of this chemical process based on recycling, alliance and reciprocal contamination, as a metaphor for a dialogue between two long-time friends, two artists who work mostly with earth-materials, two practices that share a common ground and that emerge from an intimate connection with their respective territories.

The first work we encounter in the exhibition space is an installation by Maja Escher that commemorates the vertical movement of growth and decay. Here different organic materials hang in four concentric clay circles that descend from the ceiling. During the course of the exhibition, time, or better, oxygen, will inevitably alter the work: the yuca leaves will dry even more, the fava beans and peas will shrink, change color and eventually their seeds will fall on the clay circle painted on the ground. Celebração Das Vagens, embodies the virtuous cycle of organic matter and seems to joyfully echo the wish of the seeds described by Févre to return to the womb and tomb of life.

Taking advantage of the topography of the gallery, the lower space of the exhibition aspires to be guided precisely by the participatory dynamics of the humus. In this space of formal experimentation, the artists have explored the horizontality of stratification, (de)composition and participation, by engaging in a collaborative process where they took part in field trips, exchanged ideas, materials and images. In Semeador for example, Sérgio Carronha uses shale, a sedimentary rock that is formed by the slow compression of mud formed of clay minerals, to create a work inspired by a preparatory drawing by Maja Escher. This piece seems to be punctuated according to the position of planets, the energetic charges of atoms, or perhaps by fallen seeds.

Placed at the center of the room, Maja Escher’s work titled Arco da Chuva, is a structure that rather than celebrating a victory against someone else, stands as a sort of pagan monument to companionship, an invitation to let go the old paradigms that no longer supports all forms of life, a tool to see the other – and his work- through new perspectives. Behind this piece, Sérgio Carronha’s Serpente draws a horizon that cuts the room in two. The work was made using different engraved shale panels formed into a type of frieze that depicts a snake, a symbol of rebirth, transformation and creative force. Centered inside of a cauline circle, Maja Escher’s Roda das Cores, is a color chart where the artist engaged in the never-ending task of trying to separate a wide variety of vivid shades of landscape visited by both artists during a field trip. Some of these colours served as the palette for Carronha’s Untitled II, a piece that contrasts sharply with the geometries and shapes explored in the other shale stones.

Overall, if this body of works seem to germinate from a space of cyclical and reciprocal contamination that exists in soil, friendship and art, then this exhibition could be seen either as the final result of a collaboration, or as the beginning of a new shared path.

 

Mattia Tosti

 

* Diana Dionísio wrote a composition for the Coro da Achada, based on this story and with the same title, which will be performed the day of the opening.